English Portuguese Spanish

Insurreição Operária de 1918 e tentativa de criação de um Autogoverno Popular no Brasil

José Oiticica foi designado líder do “conselho diretor” da insurreição, sendo nesta tarefa auxiliado por Agripino Nazaré, advogado da Bahia, e Astrogildo Pereira, cujas cartas à imprensa lhe custaram o emprego no Ministério da Agricultura. Outros que estiveram ligados ao conselho insurrecional foram Manuel Campos, o anarquista espanhol que dirigiu Na Barricada em 1915-1916, Alvaro Palmeira, um professor de certo prestígio entre os operários da construção civil, e Carlos Dias, o operário gráfico que por mais de 10 anos vinha trabalhando na publicação de jornais anarquistas. Os líderes dos trabalhadores das fábricas de tecidos, Manuel Castro e Joaquim Morais, assim como José Elias da Silva, João da Costa Pimenta e o jornalista José Romero estavam cientes da conspiração.

Enquanto o conselho orientava os operários, prestes a se declararem em greve pela melhoria das condições de trabalho, as atenções da população brasileira se voltavam para a terrível epidemia de “gripe espanhola” e para os planos da tomada de posse do presidente eleito Francisco de Paula Rodrigues Alva, que deveria suceder a Venceslau Brás no dia 15 de novembro de 1918.

A epidemia de gripe espanhola, catastrófica em São Paulo, alastrou-se de maneira ainda mais grave na Capital da República. Os relatórios indicam que, em meados de novembro de 1918, 401.950 cariocas foram, ou já haviam sido, acometidos pela gripe, numa população de 914.292 habitantes, e que àquela altura 14.459 pessoas haviam sucumbido à doença. Anunciou-se que o presidente-eleito Rodrigues Alva contraíra a gripe e que seu estado não lhe permitia assumir o poder. O vice-presidente eleito Delfim Moreira assumiu a presidência, logo após o falecimento de Rodrigues Alves.

Para infelicidade de Oiticica e dos demais conspiradores, Ricardo Correia Perpétuo, o membro do conselho que fora encarregado de distribuir boletins sediciosos entre os soldados aquartelados na Vila Militar, convidou o tenente do Exército Jorge Elias Ajus à participar do movimento. Ajus, expressando-se a favor da implantação no Brasil de uma forma de governo “inteiramente popular”, à semelhança da Rússia, foi avidamente acolhido no movimento, devido as suas conexões militares, sendo nomeado, juntamente com Oiticica, chefe do movimento. Mas Ajus era um espião.

Na noite de 14 de novembro Ajus participou de uma reunião, na residência de Oiticica, em que tudo era falado em voz baixa, por solicitação do professor. Ele temia que sua esposa, que ocupava um cômodo contíguo e não sabia de nada, fosse capaz de denunciar a insurreição. Anunciou-se, então, que todos os operários em tecidos estavam prontos para a ação. Os operários que partissem de Botafogo deveriam invadir o palácio presidencial, onde hasteariam uma bandeira vermelha; os operários reunidos em São Cristóvão se apossariam dos depósitos de armas e munições da Intendência da Guerra; os tecelões de Bangu tomariam posse da fábrica de cartuchos de Realengo; o pessoal da Saúde, fiel a Manuel Campos, ajudaria no ataque ao quartel de polícia ali existente. Oiticica observou que a deflagração deveria ser combinada para coincidir com as sessões da Câmara e do Senado, a fim de se prenderem todos os seus membros. Ajus se encarregaria do Exército.

Uma reunião mais concorrida, de que participaram cerca de 40 conspiradores, realizou-se no dia 15 de novembro, numa sala do curso do professor Oiticica. Depois de aberta a sessão por João da Costa Pimenta, o tenente Ajus propôs que a insurreição começasse com uma concentração geral no Campo de São Cristóvão para o posterior ataque à Intendência da Guerra e aos quartéis de polícia. Oiticica concordou e ordenou que, após declarada a greve, mareada para as 15:30 horas do dia 18 de novembro, os grevistas, calculados em 15 mil, se dirigissem para o Campo de São Cristóvão.

Na noite de 17 de novembro, em reunião de uns 8 ou 10 membros do conselho na casa de Oiticica, Ajus alegou que não poderia cooperar efetivamente com o movimento, por não estar de serviço no quartel naquele dia 18, e pediu que a insurreição fosse adiada para o dia 20. Mas Agripino Nazaré opôs-se a esta proposta, lembrando que os tecelões, prontos para iniciar a greve no dia seguinte, não poderiam ser persuadidos à voltar atrás. Em seguida, Oiticica enumerou algumas das medidas tomadas: havia “quatro mil operários dispostos a tudo”, e “1.600 bombas” já tinham sido distribuídas. Segundo Oiticica, seria fácil tomar o depósito de armas e munições do Campo de São Cristóvão e explicou ainda a maneira como os metalúrgicos cortariam as linhas telefônicas e dinamitariam uma das torres de iluminação da Light, deixando às escuras a cidade. Quarenta tambores de petróleo e gasolina — acrescentou — seriam usados para incendiar o edifício da prefeitura, o quartel-general do Exército e o quartel central da polícia.

Nas primeiras horas da tarde de 18 de novembro, Oiticica se reuniu com alguns membros do conselho em um prédio da Rua da Alfândega, para rever os últimos detalhes do levante. As autoridades, informadas de tudo o que se passava, interromperam subitamente a reunião, prendendo Oiticica, Manuel Campos, Ricardo Perpétuo, Astrogildo Pereira, Augusto Leite e Carlos Dias. Júlio Rodrigues, o comissário destacado pelo chefe de polícia Aurelino Leal para efetuar as prisões, informou mais tarde que havia feito todos os esforços para conseguir a prisão de João da Costa Pimenta, Manuel Castro, Joaquim Morais e Raimundo Martins. Mas todos estes conseguiram fugir e permanecer escondidos.

Às quatro horas da tarde do dia 18 de novembro, os tecelões do Distrito Federal se declararam em greve; seis mil operários deixaram seus empregos em Bangu, onde o movimento “irrompeu com grande clamor”. Os metalúrgicos e os operários em construção civil aderiram à greve logo em seguida. As fábricas estavam repletas de boletins que conclamavam à “insubmissão” e à “reação violenta contra a prepotência dos patrões”. Os boletins distribuídos nos quartéis do Exército concitavam os militares, “irmãos dos trabalhadores”, a se unirem à classe operária na formação dos comitês de soldados e operários com o fim de assumir a direção de todos os serviços públicos.

Às cinco horas da tarde umas poucas centenas de insurretos se reuniram no Campo de São Cristóvão. Durante a luta em que alguns deles tomaram a delegacia do décimo distrito policial, uma bala atingiu o delegado, e uma bomba arremessada contra um veículo da brigada policial feriu ligeiramente quatro praças. Para retomar dos insurretos a delegacia, uma unidade de cavalaria do Exército partiu da bem guarnecida Intendência da Guerra. Com repetidas “descargas de fuzil, conseguiu expulsar os invasores”. Chegavam, ao mesmo tempo, reforços do Exército e da polícia, conforme as providências de Aurelino Leal. Os insurretos fugiram, mas dezenas deles foram presos. Algumas das bombas abandonadas explodiram, aqui e ali.

Numa das indústrias têxteis, a Fábrica de Tecidos Confiança, um grupo de trabalhadores, chefiado por Miguel Manias, invadiu o escritório da fábrica para agredir a direção. Outros operários correram em defesa dos diretores, e saiu uma luta de faca, em que sucumbiu Miguel Martins. Três outros operários foram gravemente feridos, falecendo um deles quatro dias mais tarde.

Em meio a muitos discursos, no dia 19 o corpo de Miguel Martins foi enterrado num caixão envolto na bandeira de seu sindicato. Descreveram-no como “vítima da traição de um companheiro”.

Aurelino Leal, apelidado de Torquemada ou de Trepov carioca pelos líderes trabalhistas, baixou uma ordem proibindo a realização das reuniões operárias. João Gonçalves, Francisco de Oliveira e outros líderes em Bangu protestaram e foram presos. Uma comissão de tecelões pediu permissão a Aurelino para se reunir, mas o pedido foi negado por não proceder da diretoria do sindicato (cujos componentes estavam presos ou foragidos). Os tecelões tentaram explicar ao chefe de polícia que seus salários e condições de vida não lhes permitiam fabricar bombas. “Positivamente Sr. Dr., não queremos fazer revoluções. Queremos sim, trabalhar, tendo os nossos direitos assegurados e respeitados”.

No dia 22 de novembro o presidente em exercício Delfim Moreira e o Ministro da Justiça assinaram um decreto que dissolvia a União Geral dos Trabalhadores, e suspendia temporariamente três sindicatos já fechados por Aurelino Leal. Os sindicatos dos operários em tecidos, dos metalúrgicos e dos operários em construção civil. Uma subcomissão da União Geral dos Metalúrgicos se queixou de que, quando a comissão da entidade se reuniu para decidir se os metalúrgicos deveriam voltar ao trabalho, toda ela foi “presa arbitrariamente”. De acordo com as informações fornecidas pelo Tenente Ajus às autoridades, os metalúrgicos haviam sido designados para dinamitar uma torre da Light.

No dia 19 de novembro arremessaram-se bombas em duas torres da Companhia Light & Power, que mal foram danificadas. A companhia assegurou que “só uma carga de dinamite de potência extraordinária” poderia derrubar as torres, e que, ainda assim, se isso acontecesse, “os acumuladores disponíveis seriam suficientes para iluminar o Rio por 24 horas, o tempo necessário para reparar as instalações”.

A 22 de novembro, guiando-se por estas palavras de conforto, os jornais estamparam manchetes sensacionalistas, em que se relatava e ação enérgica da polícia, ao desbaratar um “atentado inominável” dos anarquistas, que planejavam dinamitar as represas de Ribeirão das Lajes, para privar a cidade de luz, força e serviço de bondes. Dizia-se que nada menos do que 10 “agitadores” foram presos, depois de surpreendidos com panfletos subversivos, grande quantidade de armas e mapas “da estrada que vai de Rio das Pedras a Ribeirão das Lajes, bem como dos pontos que deveriam ser dinamitados. A polícia acreditava que o plano era de dinamitar várias das bombas hidrelétricas e minar os escombros de modo que fossem mortos os operários encarregados do conserto”.

As notícias desta quase calamidade se fizeram acompanhar da revelação de que “nada menos do que 78 anarquistas” tinham sido presos de 18 a 21 de novembro. Estavam entre eles diversos espanhóis suspeitos e empregados em fábricas na Gávea, grevistas que tentaram reunir-se num matagal de Bangu, elementos encontrados num galpão com “documentos subversivos” e indivíduos apreendidos portando bombas ou armas. Dizia-se que os anarquistas estrangeiros seriam deportados e que os nacionais seriam enviados para a ilha de Fernando de Noronha, ao largo da costa nordestina.

Para demonstrar a existência de uma conspiração atrás do movimento grevista, as autoridades chamaram a atenção para o fato de que os operários abandonaram o serviço simultaneamente e sem levar aos empregadores as suas reivindicações. Com seus líderes dispersos e as reuniões de classe proibidas, os sindicatos encontravam dificuldade para encaminhar os seus reclamos. No dia 20 de novembro, todavia, o Jornal do Brasil publicou algumas das reivindicações proletárias. Os operários em construção civil queriam o dia de oito horas e garantias em casos de acidente de trabalho. Os metalúrgicos queriam salário mínimo, dia normal de oito horas e reconhecimento do sindicato como único intermediário entre patrões e empregados.

Os tecelões acusavam os patrões de haverem ignorado os acordos de julho de 1917. O Jornal do Brasil, que sustentava a acusação, publicou uma resolução pela qual os tecelões não retomariam ao trabalho antes de obterem salário mínimo, semana de seis dias e dia de oito horas.

O governo distribuiu uma série de comunicados com o intuito de persuadir os operários a abandonarem a greve, apelando inclusive para as esposas e mães dos mesmos. Nesses comunicados o governo, “amigo e natural protetor dos trabalhadores ordeiros”, prometia a deportação dos agitadores que os exploravam e os submetiam a uma “terrível escravidão”. Um boletim do Serviço de Segurança, 26 de novembro, anunciava a quantidade de dinheiro encontrada em mãos anarquistas. “Manuel Campos, ao ser preso, fora encontrado com mais de 500$000… Que prova mais clara de que os anarquistas explorem os trabalhadores ordeiros? Mas esse regime de coação está no fim. Ontem mesmo já voltaram para o trabalho 8.940 operários. Retomem todos os outros sem receio, porque a polícia está agindo e não dará trégua aos dinamitadores”.

No fim de novembro a maioria dos grevistas remanescentes voltaram a seus empregos. Mas as companhias se recusaram a readmitir os que consideravam perigosos. A esta altura dos acontecimentos a polícia mantinha cerca de 200 “agitadores” na Casa de Detenção. Ao contrário dos boatos inspirados pela presença de um navio de guerra. Os prisioneiros não foram enviados a Fernando de Noronha, permanecendo na cadeia para serem interrogados. A polícia estava interessada principalmente nos planos de dinamitação de torres e represas.

Os estudantes do Colégio Pedro II e da Escola de Medicina pediram a libertação de José Oiticica. Mas tiveram de continuar sem o professor, pois Oiticica, solto ao dia 10 de dezembro, embarcou “deportado” com esposa e filhos (…) rumo ao Estado de Alagoas.

João da Costa Pinicais foi para São Paulo, e Agripino Nazaré voltou para a Bahia, seu estado natal. Astrogildo Pereira permaneceu encarcerado no Rio de Janeiro. Escrevendo a Oiticica, em janeiro de 1919, sobre a prisão e o processo que o enquadrara, Astrogildo terminava a cana dizendo: “Nossa disposição não esmorece. Em todos nós palpita o mesmo entusiasmo, e nossas convicções se enraízam ainda mais fundo. O mundo é nosso — e todos os sabres, todas as grades do Sr. Aurelino resultam, afinal, num estimulante poderoso e incontestável. “Hurra para a anarquismo!”, escreveu noutra carta. (…)

Trecho de John W. F. Dulles, em Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900-1935).

COMPARTILHE

LEIA AS ÚLTIMAS POSTAGENS EM NOSSO BLOG

Presidente Fred, o messias pantera

No início do ano letivo no campus leste da Escola Secundária Proviso, um colégio com maioria de estudantes negros em Maywood, nas proximidades de Chicago, em