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A estratégia libertária e a negação da democracia burguesa

O debate sobre as eleições e a democracia burguesa, assim como qual deve ser a posição dos trabalhadores e suas organizações frente aos processos eleitorais, é algo que permeia o movimento operário-popular e os partidos/organizações de esquerda desde meados do século XIX. Ou seja, é um debate antigo, que surge com o próprio nascimento da democracia burguesa e do sufrágio universal.

As mobilizações populares de 1848 que sacudiram vários países da Europa, derrubando diversos governos, e ficaram conhecidas como a “Primavera dos Povos”, demarcaram o início dos regimes de sufrágio universal, a partir da ampliação do direito ao voto para os trabalhadores e da representação parlamentar. O regime de sufrágio universal, ou seja, o regime democrático-burguês onde todos possuem direito ao voto, nasce como uma concessão dos dominadores, para frear o avanço das lutas populares, e ao mesmo tempo, cooptar boa parte dos setores da esquerda, que passam a legitimar as eleições organizadas pelo Estado burguês.

Um debate velho, mas vivo

Mesmo sendo uma discussão secular, a polêmica sobre a participação nas eleições permanece viva, sempre renascendo dentro do campo da esquerda. As posições adotadas sobre as eleições são fundamentais para as definições estratégicas das organizações de esquerda.

A ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal, como conseqüência de um processo de priorização da estratégia eleitoral por parte do PT, em paralelo ao seu processo de degeneração política, que transformará a cúpula do PT na nova elite dirigente do país, à serviço do capital, demarca o encerramento do chamado “ciclo petista”, período de mais ou menos 20 anos de hegemonia petista na esquerda, que vai das greves operárias do ABC paulista e formação do PT, até a eleição do governo Lula, e reabre com força o debate sobre a participação da esquerda nos processos eleitorais do regime democrático-burguês.

Com o fim do “ciclo petista” o esgotamento da via eleitoral no Brasil é hoje algo evidente, tão evidente como a miopia dos partidos reformistas, que insistem em participar e legitimar o jogo eleitoral.

Os anarquistas e as eleições

Dentro do anarquismo o debate sobre o sufrágio universal também é algo secular e diversas opiniões podem ser encontradas em autores clássicos do pensamento libertário como Proudhon, Bakunin ou Malatesta, que escreveram sobre o sufrágio universal ou trataram do tema de forma transversal em outros escritos.

Nas palavras de Bakunin, “o sufrágio universal é a exibição ao mesmo tempo mais ampla e refinada do charlatanismo político do Estado; um instrumento perigoso, sem dúvida, e que exige uma grande habilidade da parte de quem o utiliza, mas que, se souber servir-se dele, é o meio mais seguro de fazer com que as massas cooperem na edificação de sua própria prisão.”

O italiano Errico Malatesta, polarizou com os socialistas, e até mesmo com os anarquistas, que acreditam na disputa do parlamento burguês e nas eleições, para o italiano “foi o sufrágio universal que fez com que um certo socialismo encontrasse a oportunidade, que ele a tenha ou não procurado, de se situar no terreno parlamentar e, assim, de se corromper e de se aburguesar.”

Antes destes, o anarquista francês Proudhon arriscou-se ao parlamentarismo, e percebendo seu erro, concluiu que a disputa e a legitimação do sufrágio universal, não é um caminho para a emancipação das massas, pois este é um mecanismo de cooptação dos trabalhadores. Sobre sua experiência Proudhon, disse: “é preciso ter vivido nesse retiro isolado a que se chama Assembléia Nacional, para se conceber como é que os homens que ignoram mais completamente a situação de um país, são quase sempre os que o representam.”

Estas posições sobre o sufrágio universal e as eleições burguesas continuam atuais, pois apesar de seu aperfeiçoamento o regime democrático-burguês possui a mesma essência que possuía nos tempos de militantes libertários como Proudhon, Bakunin ou Malatesta.

A atualidade da estratégia libertária

Para nós, anarquistas revolucionários, não participar ou legitimar o processo eleitoral é uma definição tático-estratégica, sendo parte do projeto de poder popular de longo prazo. Diferente do que muitas vezes é colocado, a opção libertária de não legitimar as eleições burguesas não é um princípio ideológico do anarquismo ou uma definição intransigente, baseada em dogmas, mas é fruto de uma leitura das condições históricas, conjugadas, com o movimento real da luta de classes.

Para a estratégia reformista, onde a centralidade é a disputa das eleições burguesas, nos opomos com a estratégia socialista libertária de radicalização das lutas populares e a construção de organismos de poder do povo, forjados desde baixo, tendo como horizonte deste projeto de empoderamento do povo e acumulação de forças, a ruptura revolucionária firmada a partir do protagonismo do povo em luta.

Como votam os anarquistas?

O anarquismo (…) não tem nada contra o voto enquanto método, enquanto mecanismo para saldar questões que requerem soluções práticas, como pode ser a tomada de certos acordos (…), ou como pode ser a eleição de um delegado ou de algum representante. O realmente importante é o contexto dentro do qual se aplica o mecanismo. Os anarquistas não estão por definição contra as “eleições” como mecanismo; se nas eleições chamamos a anular o voto ou a não votar, é pelo contexto dentro do qual este voto se exerce: dentro do aparato de Estado, que desta forma valida sua dominação sobre quem se vê excluído do controle das decisões (que coincidentemente, são os mesmos que excluídos do festim dos empresários). Isto nos leva a questão de fundo: a falha está na administração do sistema? Ou é necessária sua superação revolucionária? E precisamente é este o tema central do qual as eleições burguesas nos desviam, ajudando a limpar o rosto do capitalismo.

José Antonio Gutiérrez D.

Por Vermelho e Negro, publicado no jornal Socialismo Libertário nº 18, em agosto/setembro de 2008.

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