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Se morar é um direito, ocupar é um dever: perspectivas libertárias da luta por moradia em Feira de Santana

George Américo e a tradição da luta por moradia em Feira de Santana

Nos anos 80 a cidade de Feira de Santana foi sacudida por uma onda de  ocupações urbanas por parte do Movimento dos Sem Teto de Feira de Santana, e uma figura se destacava no meio de tantas pessoas que arriscavam suas vidas para conseguir um terreno e um teto, era George Américo. Assassinado em maio de 1988, com 27 anos, George Américo participou de cerca de 20 ocupações urbanas na cidade, sendo a principal delas e a maior já realizada em Feira de Santana, a ocupação do antigo Campo de Aviação que deu origem ao bairro que hoje leva seu nome. George Américo foi sem dúvida uma figura contraditória, apelidado pela mídia local de “rei das invasões”, as condições do assassinato dessa figura, que ainda ronda como um fantasma a consciência popular e também causa medo aos poderosos, nunca foram explicadas.

Acusado de bandido ou escondido pela historiografia oficial o espírito de George Américo segue mais vivo do que nunca. O descaso dos vários governos com o povo das periferias, a falta de uma política de habitação popular, são os motivos para que, após mais de 20 anos do assassinato de George Américo, ocorra uma nova onda de ocupações urbanas em Feira de Santana.

As ocupações hoje

Existe hoje em Feira de Santana quase uma dezena de ocupações urbanas em diversos bairros da periferia da cidade: Feira X, Aviário, Papagaio, Feira IV e Feira IX são alguns desses bairros. Cada uma dessas ocupações possui uma dinâmica própria e quase nenhuma articulação entre si, algumas delas são espontâneas e não possuem um nível de organização política interna ou são controladas pela politicagem eleitoreira e por oportunistas de todo tipo, outras possuem um bom nível de organização interna e vem colocando em pauta na cidade a questão do direito à moradia.

Em uma cidade onde o déficit habitacional passa perto de 20 mil famílias sem casa para morar ou vivendo em condições de risco, esta nova movimentação para a conquista de moradia e de dignidade por parte do povo pobre era algo até mesmo previsível. E o potencial político e a capacidade de luta desse “novo sujeito” (os Sem Teto) é algo que deve a cada dia crescer, conforme o grau de organização e combatividade deste setor for aumentando. E enquanto o governo municipal continua sua política de descaso, os governos estadual e federal anunciam cinicamente a liberação de pouco mais de 80.000 casas para a Bahia (em um estado que possui algo próximo de 2 milhões de famílias sem-teto ou morando em condições inadequadas) pelo “Programa Minha Casa, Minha Vida”, programa no qual o governo federal lava as mãos sobre uma política habitacional jogando toda a responsabilidade para as construtoras. Ou seja, são os grileiros do tipo de Oyama Figueredo e cia. que vão gerir na prática o “Programa 1 milhão de Casas” do governo Lula.

Um terreno ou um prédio ocupado para fins de moradia é ao mesmo tempo um espaço complexo de convivência, por contas das tensões, e um espaço privilegiado para avançar na perspectiva de construção do poder popular e de formas libertárias de vivência. Espaços e tarefas coletivas como cozinhas comunitárias, cooperativas de trabalho, atividades de educação e formação, segurança e auto-defesa, servem para inverter a lógica da competição e do individualismo da sociedade burguesa. Uma ocupação urbana organizada a partir da lógica de independência de classe e protagonismo do povo em luta, em nossa perspectiva, deve avançar até que se torne uma área liberada do poder e da justiça burguesa, assim como dos valores da sociedade capitalista, deve ser um embrião de poder popular.

Hoje, são muitas as tarefas para avançar nessa perspectiva dentro das ocupações urbanas em Feira de Santana. Uma articulação das ocupações e uma relação de troca de experiência entre elas deve ser um primeiro passo, assim como, aprofundar as tarefas coletivas e ampliar as atividades para todo o bairro, criando uma relação firme de solidariedade entre a ocupação e o bairro. Além disso, uma jornada de luta de rua para arrancar dos governos a construção das casas e a intensificação das campanhas de solidariedade e apoio às ocupações são outras tarefas, são pequenos passos de um longo caminho, que com humildade e paciência os militantes anarquistas devem ir trilhando.

Por Vermelho e Negro, publicado no jornal Socialismo Libertário nº 21, de abril/maio de 2009.

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