PROGRAMA PELA VIDA: MEDIDAS SANITÁRIAS E SOCIAIS URGENTES E PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARA COMBATER A COVID-19 E EVITAR MILHARES DE MORTES EM FEIRA DE SANTANA
Comitê de Solidariedade Popular – Covid-19
Feira de Santana, abril de 2020.
Ao poder público municipal, ao prefeito Colbert Martins Filhos, à Câmara Municipal de Feira de Santana, às instituições e organizações da sociedade civil feirense.
A pandemia de Covid-19 é um acontecimento com dimensões ainda imensuráveis e devastadoras em todo o mundo que expõe todas as contradições civilizatórias que vivemos até agora. Uma crise sanitária, social e econômica sem precedentes, que no Brasil se apresenta ainda em sua inicial e exige dos poderes públicos e da sociedade a responsabilidade para preservar vidas e evitar o que pode ser a maior catástrofe da nossa história, assim como, o estabelecimento de novos paradigmas para tratar das questões socioambientais, dos serviços públicos e das condições de vida da maioria da população. As relações destrutivas com o meio ambiente e a lógica imposta pela mercantilização da vida que vem produzindo diversas doenças e epidemias nas últimas décadas precisam ser superadas e o desafio de reconstruir a sociedade pós-coronavírus sobre novas bases está colocada agora de forma imperativa.
O Brasil vive nesse momento o início de uma tragédia anunciada, agravada pela ação irresponsável e genocida de governantes e setores empresariais, que se somam a ignorância e a falta de informação de parte da população. Elementos esses que se agravam diante das condições de vida precárias da grande maioria do nosso povo. Não possuímos dimensão alguma do estágio atual da contaminação no país (menos de 1% dos casos são notificados) e não temos qualquer informação próxima da realidade sobre a quantidade real de mortes que a Covid-19 já produziu, sendo a subnotificação uma realidade que se reproduz no nosso estado e na nossa cidade, principalmente pela falta de testes em massa e condições precárias da rede de saúde pública. Essa crise que pode durar até 2 anos, entre a descoberta da cura e a vacinação em massa da população, pode também nos arrastar para um colapso civilizatório e uma situação de caos social. As medidas adotadas pela Prefeitura de Feira de Santana até o momento, no nosso entender, ainda são insuficientes, errôneas ou irresponsáveis, e nesse sentido, como setores organizados do povo em grupos e organizações comunitárias e de trabalhadores/as propomos nesse documento uma série de medidas, como propostas e exigências ao poder público municipal, no sentido de evitar um cenário devastador e com milhares de mortes em nossa cidade.
Feira de Santana é a segunda maior cidade da Bahia e 34º município do país em população, com cerca de 700 mil habitantes atualmente, é também o maior entroncamento rodoviário do Norte e Nordeste e líder de uma macrorregião integrada por 96 municípios com uma população de aproximadamente 3 milhões de pessoas, possuindo o maior PIB do interior do Nordeste e uma receita anual que supera 1,2 bilhão de reais. O retrato da grandeza de nossa cidade pode ser também o infeliz espelho do tamanho da nossa tragédia. Por isso, propomos desde já a adoção pelo poder municipal de um planejamento estratégico para combater a Covid-19 com medidas sanitárias e sociais, para isolar a contaminação, cuidar dos doentes, garantir direitos sociais e condições básicas de sobrevivência para nossa gente, para vencer o vírus com prevenção, informação e os cuidados necessários de saúde e medidas sanitárias.
Nesse sentido, acreditamos que Prefeitura deve constituir e coordenar um Gabinete de Crise com a participação das instâncias do poder público, de instituições locais como as Universidades e das organizações da sociedade civil, mobilizando toda a sociedade feirense para enfrentar essa grave situação. As ações contra a Covid-19 devem partir de uma lógica planificada e precisam ser efetivas e urgentes, com delegações de forças-tarefas para resolução de cada tema importante. A prevenção, informação e garantia de uma estrutura para as ações devem ser a base de uma mobilização social e comunitária que deve se iniciar nos bairros através dos Comitês de Saúde, pois é onde se encontra a população pobre e vulnerável que pelas condições precárias de vida deve ser a maior vítima do coronavírus. A aplicação dos recursos deve obedecer a critérios racionais, de planejamento e transparência. O fechamento do comércio deve ser decretado por tempo indeterminado e as restrições ampliadas, acabando com a pressão genocida de empresários a cada fim de prazo do decreto.
O relaxamento das restrições ao comércio nesse novo decreto do dia 15/04 é uma política genocida, cujas mortes provocadas pelo que na prática é o fim do isolamento social serão de responsabilidade da Prefeitura e dessa gestão. A entrega de cestas básicas deve ser no mínimo 10 vezes maior que as 8 mil anunciadas até o momento. A quarentena deve se tornar obrigatória, com todas as medidas sociais necessárias implementadas, utilizando métodos coercitivos apenas em último caso, mas garantindo o cumprimento das medidas por toda a população. Todas essas medidas sugeridas aqui devem se encaminhar no sentido de decretar períodos de lockdown, com paralisação de todas as atividades, com estrita exceção das relacionadas ao combate do vírus, até que finalmente possamos acabar com a contaminação na cidade.
Feira de Santana até o momento foi prejudicada no repasse de recursos do governo estadual e as verbas do governo federal são insuficientes, sendo necessárias gestões e pressão para exigir mais verbas, cuja utilização deve ser necessariamente transparente e democrática, incluindo os quase R$ 400 milhões do orçamento para a saúde, segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) municipal. Todos os cortes orçamentários possíveis devem ser feitos, como nos cargos comissionados, nas verbas de gabinete, eventos cancelados, etc. com as verbas devendo ser colocadas à disposição do combate a Covid-19 e às medidas sociais. Alugar um hospital particular abandonado como o Hospital Mater Dei é um erro absurdo que precisa ser desfeito, caso contrário indica improbidade administrativa, e a verba destinada deve retornar para as ações de combate a pandemia na cidade. Todas as UTIs da rede particular devem ser requisitadas por decreto pela administração municipal, formando uma fila única do SUS, com a concentração dos recursos do município destinados para as ações de prevenção, sanitização, hospitais de campanhas e medidas sociais como sugerimos neste documento.
Nesse momento, tanto por questões éticas quanto por improficiência é necessário afastar do cargo a atual secretaria de saúde do município, envolvida na quadrilha indiciada na “Operação Pityocampa” que desviou R$ 71,6 milhões da saúde pública da cidade, assim como requerer judicialmente a devolução dos recursos em caráter emergencial e punição aos envolvidos, incluindo integrantes da administração municipal e o ex-prefeito José Ronaldo de Carvalho, que tem no momento 24 milhões em bens bloqueados pela justiça por envolvimento nesses desvios, verba que deve ser destinada integralmente para às medidas de combate a Covid-19. É necessário também aprovar um “orçamento de guerra” municipal com um planejamento estratégico que priorize o combate a Covid-19 e o auxílio à população. O desastre sem precedentes históricos que se anuncia para os próximos meses deve ser tratado com a seriedade que a gravidade dessa situação exige e todas as medidas necessárias devem ser tomadas para evitar a hecatombe ainda incalculável que podemos viver em nossa cidade.
Nesse documento, que apresentamos como um programa para enfrentar esse período de crise e que tem um caráter aberto de diálogo e discussão, sintetizamos em 14 pontos e propostas em diversas áreas que precisam ser articuladas de forma estratégica e planificada e que podem evitar milhares de mortes em Feira de Santana.
Diante do exposto, propomos e exigimos do poder público as seguintes medidas sanitárias e sociais para Feira de Santana:
1. Montagem emergencial de hospitais de campanha em locais com estrutura prévia que facilitem a instalação de leitos para tratamento de baixa complexidade e semi-intensivos com respiradores, como nas áreas do Shopping Popular no Centro de Abastecimento, do Complexo Esportivo Oyama Pinto, do Estádio Alberto Oliveira (Joia da Princesa) e outras, garantindo a instalação de pelo menos mil leitos para atendimento da Covid-19 e síndromes respiratórias na cidade. Assim como, um programa emergencial de contratação e preparação de profissionais da saúde. Estima-se que com o contágio podendo chegar até 80% da população e uma média de até 4% de casos graves, Feira de Santana pode chegar próximo de 20 mil casos graves da doença, com a mortalidade (em um cenário de 0,6%) podendo atingir até 3 mil pessoas, em estimativas ainda incertas, com médias gerais calculadas “por baixo” e que podem variar bastante por país/região;
2. Decreto municipal colocando todos os leitos de UTI dos hospitais particulares da cidade sob administração do município, criando uma fila única do SUS para o atendimento e internação. Ampliação urgente do número de leitos de UTI e parcerias para fabricação de respiradores, como o ventilador pulmonar emergencial de baixo custo com projeto desenvolvido na Universidade de São Paulo (USP) produzido com material nacional e custo de R$ 1 mil cada, ou o projeto de ventilador pulmonar de baixíssimo custo produzido na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no valor de R$ 400 e fabricação em 48h, com valores respectivamente 15 vezes (USP) e 37 vezes (UFPB) menor que o custo de mercado de um respirador; Aquisição emergencial de medição e fármacos apenas com comprovada validade científica no tratamento da Covid-19, como o antiviral Interferon;
3. Controle de todas as entradas e saídas da cidade, impedido entradas não justificadas com checagem digital de temperatura por ultravioleta e encaminhamento para testagem rápida, atendimento e isolamento de pessoas que apresentem febre ou algum sintoma de Covid-19;
4. Realização de testagem rápida massiva na população, priorizando os profissionais da saúde, trabalhadores/as de serviços essenciais e grupos de risco, garantindo a testagem de toda a população e dividindo a cidade em áreas de risco e contaminação para facilitar o combate e isolamento do vírus, com divulgação diária dos resultados e dados por áreas e bairros e criação de um sistema informatizado integrado sobre o Covid-19;
5. Formação de Comitês de Saúde nos bairros e regiões da cidade, integrando equipes de saúde, epideomologia e assistência social, associações comunitárias, grupos religiosos e voluntários, com apoio técnico, logístico e garantia de equipamentos e materiais necessários pela Prefeitura de Feira de Santana para esses comitês, fazendo a integração das escolas da rede pública municipal e estadual como postos avançados de atendimento de saúde preventiva. Esses comitês devem funcionar de forma coordenada e com uma atuação planificada por toda cidade, dividida em regiões, fazendo a mobilização social, a distribuição de materiais de proteção e kits de higiene e limpeza, a medição de temperatura, dando orientações de saúde, etc. A prefeitura deve garantir a entrega de cestas básicas para todas as famílias vulneráveis e trabalhadores autônomos ou informais (ambulantes, catadores, etc.) cruzando dados dos cadastros sociais com a situação atual agravada diante da crise; Apoiar tecnicamente os comitês com pontos locais de internet para inscrição e resolução de pendências para recebimento do auxílio emergencial do Governo Federal e outros, evitando concentrações; Produção de máscaras de proteção em larga escala para toda população de Feira de Santana e decreto para garantir a obrigatoriedade universal do seu uso;
6. Decreto administrativo para utilização da rede hoteleira da cidade como local de quarentena para casos suspeitos ou confirmados que não precisem de hospitalização; Utilização de prédios, casarões e imóveis que não cumprem sua função social para abrigar a população de rua e em situação de moradia precária, com garantia de assistência social para todos esses setores vulneráveis;
7. Ampliação das ações de sanitização e desinfecção de locais públicos e ruas do centro, bairros da cidade e distritos, com caminhões pipas e profissionais devidamente protegidos com bombas de pulverização, utilizando o material indicado para este tipo de ação preventiva (quaternária de amônia de 5ª geração); Utilização das plataformas inservíveis do BRT como locais de desinfecção completa e instalação de plataformas ou tendas de desinfecção em locais estratégicos de fluxo na cidade e distritos;
8. Obrigação da utilização de toda a frota de 200 ônibus das empresas Rosa e Princesinha com limite de passageiros por viagem de 1 a cada 2 bancos do ônibus e passe livre para profissionais da saúde, todos trabalhadores de serviços essenciais e voluntários cadastrados para o combate ao Covid-19;
9. Taxação das empresas de aplicativos de transporte e entregas que operam na cidade com reversão do imposto para um fundo de amparo e insalubridade aos trabalhadores de aplicativos; Exigência de EPIs para todos trabalhadores dos serviços essenciais e pagamento de insalubridade aos profissionais expostos à contaminação; Garantia de desinfecção completa e permanente em supermercados e qualquer estabelecimento ou empresa de atendimento ao público, com interdição ou fechamento dos mesmos em caso de descumprimento;
10. Suspensão de todas as feiras livres ou qualquer concentração comercial inclusive nos bairros, com a pulverização das feiras em carrinhos nas regiões e bairros da cidade e apoio logístico da prefeitura para os ambulantes e garantia de desinfecção dos produtos e EPIs para vendedores; Criar um Plano de Aquisição de Alimentos (PAA) municipal de caráter emergencial, favorecendo a agricultura familiar da nossa zona rural e região para garantir a produção e comercialização da produção dos trabalhadores rurais de Feira de Santana;
11. Suspensão da cobrança de IPTU de todas as famílias com renda inferior a três salários mínimos; Realização de obras sanitárias emergenciais de esgotamento sanitário em áreas onde os esgotos (que também podem transmitir o vírus) coloquem a população em risco principalmente em períodos chuvosos; Garantir com a Embasa o fornecimento de água para todos os bairros e distritos da cidade, com a aplicação de pesadas multas para o descumprimento da obrigação do fornecimento e utilização de carros pipas em situações emergenciais;
12. A Prefeitura deve fazer todas as gestões para garantir os direitos dos trabalhadores durante a crise, com a proibição das demissões e penalizações às empresas que descumprirem as medidas negociadas, fazer gestões com empresários e patrões para assumir parte do pagamento dos salários e negociar a redução de carga horária, teletrabalho e outras alternativas, além disso, deve-se preparar um programa de recuperação da economia e intervenção em empresas falidas a partir do incentivo à formação de cooperativas para que retomem a produção e os serviços sob controle dos trabalhadores; Abrir frentes emergenciais de trabalho relacionadas às ações de combate e prevenção ao Covid-19, contratando e incorporando desempregados;
13. Nas questões referentes à educação a Prefeitura precisa manter a distribuição da merenda escolar aos estudantes, que pode ser feita através de vales; As aulas devem permanecer suspensas em universidades, faculdades, cursos e escolas da cidade até o fim da crise sanitária, e é preciso abrir uma discussão com os profissionais da educação e entidades sobre o calendário de reposição ou até mesmo o cancelamento do ano letivo, os limites dos métodos de educação a distância e outras alternativas devem levar em conta a falta de condições materiais e técnicas de grande parte da população e até mesmo dos profissionais da educação, oferendo assistência técnica e material para esse setor; Deve-se integrar e incluir toda a estrutura educacional do município, além de firmar parcerias com as demais instituições, como as universidades públicas, no combate a pandemia e seus efeitos; Deve-se pagar os salários de todos os servidores da educação, incluindo os terceirizados, assim como, cumprir os contratos de estagiários;
14. Continuidade dos serviços relacionados à prevenção e combate da violência contra a mulher, facilitação nos procedimentos de denúncias, campanha de combate à violência doméstica que foi intensificada nesse período e garantia de locais seguros para acolhimento de mulheres vítimas de violência; Garantia de continuidade de tratamentos e atendimento de saúde da população por outros motivos que não sejam o Covid-19 na rede de saúde pública (UPAs, postos de saúde e hospitais), com casos de Covid-19 deixando de ser encaminhados para os locais de atendimento comum. Ver menosEditar